O ex-cirurgião Joël Le Scouarnec, julgado por estuprar e agredir sexualmente 299 pessoas, admitiu sua responsabilidade no suicídio de duas de suas vítimas nesta terça-feira (20), durante a reta final de seu processo na França.
O julgamento, que começou em 24 de fevereiro, está em fase de audiências finais antes do veredicto, marcado para 28 de maio. O único réu se declarou culpado em março pelos crimes cometidos entre 1989 e 2014. “Eles morreram. Eu sou responsável”, disse o homem de 74 anos, depois que a presidente do tribunal de Vannes, no oeste da França, perguntou se ele pensa em suas vítimas.
Scouarnec se referia a dois homens cujas imagens foram mostradas no julgamento: Mathias Vinet, que morreu de overdose em 2021 e cujos familiares acreditam que cometeu suicídio, e outro, que se enforcou em 2020. O ex-cirurgião, que já cumpre 15 anos de prisão por estuprar menores, abusou sexualmente dos dois no hospital de Quimperlé quando eles tinham 10 e 12 anos, respectivamente.
“Você se vê como um homem livre no futuro?” perguntou a juíza Aude Buresi neste último interrogatório.
“Não”, respondeu o réu. “Não”, repetiu com mais firmeza após um silêncio. “A prisão foi uma libertação para mim”, disse Scouarnec, que defendeu no tribunal não ser mais vítima de suas “tendências pedófilas”, sem descartar o risco de uma recaída.
Scouarnec é acusado de 111 estupros e 189 agressões sexuais cometidos entre 1989 e 2014, agravados pelo fato de que ele abusou de sua posição como médico e de que as vítimas eram geralmente menores de 15 anos (256 das 299).
Em 20 de março, o ex-cirurgião se declarou culpado em todos os casos julgados, incluindo outros já prescritos ou objeto de novas investigações. Em março deste ano, o ex-cirurgião francês confessou ter abusado sexualmente da própria neta. “Sim, confesso que abusei sexualmente de minha neta”, declarou ao tribunal de Vannes na presença de seu filho primogênito, pai da criança. A audiência foi suspensa para que o filho do acusado e sua companheira fossem atendidos por psicólogos.
Nos cadernos e arquivos apreendidos durante sua prisão em 2017, o médico havia escrito sobre “fantasias sexuais” com sua neta mais de 20 vezes —desde que a vítima tinha apenas 45 dias de vida. Antes da confissão, o pai da criança havia falado ao tribunal sobre incestos e múltiplas agressões sexuais que marcam o contexto familiar e a personalidade do pai.
A polícia apreendeu na casa do acusado uma coleção de bonecas, acessórios sexuais e milhares de arquivos digitais, com imagens de pornografia infantil e uma espécie de diário no qual, segundo o volumoso inquérito, o cirurgião registrava nomes e idades das vítimas, datas e detalhes sórdidos dos crimes cometidos.
Scouarnec exerceu a profissão até 2017, quando foi denunciado por uma vizinha: sua filha, de seis anos, tinha lhe contado que o médico se masturbou e a penetrou com um dedo. O ex-cirurgião foi condenado em 2020 a 15 anos de prisão por esse e outros três casos de violência sexual. Desde então, seus arquivos permitiram rastrear centenas de outras vítimas, o que levou ao novo julgamento.
A idade média das 299 vítimas era de 11 anos, mas entre os muitos atos atribuídos ao médico estão o estupro de um bebê de um ano e a agressão sexual de uma paciente de 70 anos. O processo começou meses depois de outro julgamento que chocou a França e o mundo: a série de estupros sob submissão química de Gisèle Pelicot, pela qual 51 homens foram condenados.
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